segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Autonomia sindical e as eleições


Texto de maio de 2010

Sempre que o espetáculo eleitoral entra cartaz, assistimos passivamente o desenrolar do mesmo roteiro de sempre: velhos e novos rostos sujam nossos espaços públicos com velhas promessas ocas, nos forçando a escolher como será a distribuição dos privilégios e poderes entre as diferentes facções mafiosas do atual cenário político. Lideranças comunitárias aderem à campanhas, grandes empresas as financiam, associações de bairro se enchem de faixas, alguns trabalhadores cansados agitam bandeiras nas avenidas, enquanto outros distribuem panfletos; em todo lugar, e a todo momento, candidatos esmolam votos para seus números identificadores. E tudo isso – todos nós sabemos – sumirá, num passe de mágica, ao termino de um punhado de meses: a interação com o espetáculo da política parlamentar voltará a ser, para a grande maioria do povo, uma série de shows transmitidos pelos canais de televisão estatais (tevê senado, tevê câmara, tevê justiça, etc.), aos quais os jornais e revistas dão especial atenção. Com a redistribuição de cadeiras terminada, a oligarquia dos representantes retorna as frias, secas, e distantes câmaras palacianas do planalto para continuarem seus vis jogos de poder e opressão.
Nosso mundo sindical não foge a regra, é igualmente tomado pela sazonal febre das urnas: os espaços de nossas sedes são usados para comícios eleitorais, showmícios, ou mesmo como base estratégica de candidaturas; congressos sindicais são usados como apoio para presidenciáveis, centrais sindicais apoiam e participam abertamente de campanhas eleitorais; revistas e jornais servem como veículos de propaganda, diversos sindicalistas anunciam suas candidaturas. Todo espaço sindical sofre constante ameaça de ser transformado num palanque eleitoral. Enfim, a estrutura sindical inteira do país, a qual deveria servir exclusivamente para defender os interesses das diversas categorias que constituem a classe trabalhadora, é colocada a serviço das camarilhas eleitorais. Inclusive, já tomamos essa sequência de cenas como normal e cotidiana – afinal de contas até nosso atual presidente, nosso patrão maior da política, fez seu nome no sindicalismo.
Contudo, quanto mais o fenômeno da parlamentarização se dissemina pelo movimento sindical, mais seus males tornam-se realidade, e, portanto, ficam facilmente visíveis. Estes “efeitos colaterais” podem ser entendidos como consequências de duas contradições intrínsecas ao sindicalismo eleitoral: 1. os interesses particulares dos conluios eleitorais constantemente entram em conflito com os da categoria, e, de maneira geral, os sobrepõem; 2. O movimento sindical (assim como qualquer outro movimento social) constrói sua força política através da mobilização de massas, sendo assim, ele não deve, de maneira alguma, se tornar a extensão de um partido eleitoral – pois no universo de qualquer categoria de trabalhadores existem eleitores de diferentes partidos (ou mesmo de nenhum partido), e sindicato nenhum pode se dar ao luxo de contar apenas com eleitores simpatizantes duma determinado facção, sem pagar o preço de perder sua força política.
Quanto mais os trabalhadores são colocados em segundo plano, e seus interesses traídos incessantemente, menos estes se sentem representados por suas entidades (que de fato não o representam), menos veem a luta coletiva como alternativa para melhora da situação da categoria e da classe como um todo, resultando numa busca de melhoria de vida através de saídas individuais (ascensão na hierarquia da empresa por exemplo). A consequência final do sindicalismo eleitoreiro é uma apatia despolitizadora da categoria em geral, um distanciamento cada vez maior da direção à base da categoria (que tende a ser tratada como gado). Distancia esta que, pouco a pouco, se transforma em repúdio.
Não por acaso o ápice de combatividade – e também da capacidade de mobilização – do sindicalismo CUTista fora nos anos oitenta, precisamente quando as ambições parlamentares das pessoas envolvidas na CUT/PT não passavam de sonhos longínquos. Durante esses anos, esta central conseguiu mobilizar diversas greves fortes e importantes. Mobilizou, até mesmo, greves gerais, as quais foram importantíssimas para a situação política nacional, e também para conquista de direitos para a classe trabalhadora. Nossa categoria, por exemplo, arrancou sua merecida jornada de trabalho de seis horas nessa época. Contudo, quanto mais o projeto CUT/PT se orientava para a conquista de espaço – e aceitação – dentro da instituição política da classe dominante (o Estado), mais os interesses da classe trabalhadora entravam em conflito com os interesses partidários. Até chegarmos aos dias atuais: como justificar, perante os interesses da categoria bancária, um calendário de “enrolação permanente” que se estende até depois do primeiro turno eleitoral? Isso sendo sabido que o momento imediatamente anterior ao eleitoral é estrategicamente benéfico aos trabalhadores e suas reivindicações; a eleição é um momento de vulnerabilidade para os poderosos, pois estes são forçados a evitarem atitudes antipopulares, ao custo de perderem votos e, consequentemente, espaço na máquina estatal.
A única explicação plausível para a nossa campanha salarial ser jogada para depois das eleições é a priorização dos interesses partidários em detrimento dos interesses dos trabalhadores bancários. Nossos dirigentes não querem: 1. correr o risco de que uma greve forte em instituições do governo federal venha a manchar a imagem da candidata deles a sucessão do trono brasiliense; 2. trabalhar numa campanha salarial no momento, pois, é nítido que estes preferem dedicar seu tempo as suas próprias candidaturas do que à defesa de nossos direitos trabalhista. Apesar disso, não devemos nos surpreender com esta postura das pessoas envolvidas na CUT/PT, já que, hoje, o interesse principal desse grupo tornou-se a manutenção de sua inserção na máquina estatal, isto é, manter os privilégios, o poder, e as mamatas, conferidos aos “iluminados” de Brasília.
Também não por acaso que o auge do movimento sindical, em terras brasileiras, tenha se dado no primeiro quarto do século passado. Os nossos pioneiros sindicalistas, já nessa época, tinham consciência da importância da autonomia para a construção da força do movimento. E de fato este princípio permeou toda a malha de organizações de trabalhadores: estava presente nos documentos organizativos de sindicatos, federações e confederações. A força deste sindicalismo 'sem rabo preso” fora demonstrada em diversas manifestações, greves (a primeira greve geral do Brasil fora deflagrada ainda em 1913), e até mesmo numa desastrada, porém corajosa, tentativa de insurreição em 1918 no Rio de Janeiro. Os frutos colhidos pela classe trabalhadora advindos desse período intenso de luta abrangem todos os direitos trabalhistas, que futuramente serão concentrados e “oficializados” pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) – a jornada de trabalho de 8 horas, por exemplo, fora conquista já em 1908 pelos trabalhadores da construção civil.
Entretanto, gostaria de deixar claro que meu esforço não é no sentido de glorificar de maneira mistificadora o passado brasileiro do movimento dos trabalhadores, mas sim de estudar os acertos e as limitações das diferentes propostas sindicais já tentadas na nossa terra, de maneira a termos um terreno sólido para edificarmos um novo sindicalismo capaz de superar a atual crise do movimento. Crise esta caracterizada pela burocratização, partidarização (subordinação do sindicalismo aos interesses eleitorais) e engessamento despótico da estrutura sindical, e que tem, como outra face da moeda, a apatia, a despolitização, e o repúdio ao sindicalismo.

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