segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Crônica da Greve de 2009



Não tenho como negar que quanto mais o calendário se aproximava de setembro, mais a minha ansiedade crescia; afinal meus heróis de adolescência – e juventude – eram os sindicalistas revolucionários da guerra civil espanhola. Porém, eu já não era tão ingênuo, meus escassos contatos com o movimento sindical atual me davam uma idéia do que eu ia encontrar pela frente (ainda lembro-me de meu pai contando de um dirigente de sua categoria que sumiu com alguns milhares de reais do sindicato, fato que fez com que ele nunca mais se aproximasse da luta sindical). Enfim, eu tinha consciência de que iria me decepcionar, contudo o conhecer não é suficiente para evitar a decepção.
Na assembléia de inicio da greve senti certa euforia no ar, todos comentavam "o movimento está forte esse ano, bastante gente". Eu pelo meu lado revi as pessoas que fizeram seminário de integração comigo e recolhi os diversos jornais e panfletos. Para minha surpresa, a assembléia foi limitada a uma meia dúzia de falas dos dirigentes sindicais, e um longo e inflamado discurso do presidente do sindicato (uma versão bancária do Lula). Diante disto o principal pensamento que ficou perambulando na minha cabeça foi “O que que eu vim fazer aqui?”, pois assistir um showmício da CUT/PT não era meu interesse. Foi um choque grande, nunca havia antes participado de assembléia tão espetacular: os bancários na platéia assistindo o show dos burocratas sindicalistas no palco, sem nenhuma participação efetiva. Eu na minha ingenuidade achava que algo sobre a greve seria debatido e deliberado; talvez uma tática, talvez as nossas reivindicações, ou pelo menos uma “polemicazinha” qualquer, porém... Nada.
Nós, os poucos meros bancários que fomos ajudar nos piquetes, acabamos seguindo os dirigentes sindicais. Foi, apesar dos pesares, uma experiência válida; senti na pele como uma greve pode ser burocratizada ao limite de quase não ter participação ativa da categoria em questão (evito a discussão se burocrata sindical é bancário ou não). Não que eu ache que a greve deva ser feita exclusivamente por bancários – acharia ótimo conseguirmos ajuda de outras categorias (greve geral!) e movimentos sociais – mas o nosso envolvimento é absolutamente indispensável. Andávamos de agencia em agencia tentando fechá-las. A maioria concordava em fazer um acordo que garantisse a entrada de alguns funcionários “essenciais”, enquanto os outros eram direcionados para agencias da redondeza e alguns poucos iam para casa (se o essencial continua trabalhando, e os “supérfluos” vão para outra agencia, qual o real sentido da greve?). A paralisação era aceita com a passividade que se aceita a lei. Dei-me conta tardiamente de no que havia me metido, se eu quisesse ter uma atuação efetiva no movimento sindical, obviamente não seria sozinho e desorganizado. E esta organização não poderia ser construída somente no momento da greve, mas no dia-dia e principalmente nos locais de trabalho. Somente assim voltaríamos a ter um movimento grevista de fato dos bancários. Contraditoriamente ouve-se de burocratas da CUT falas semelhantes sobre a importância da OLT, porém quando saímos do campo da fala e vamos para a prática vemos exemplos como o da eleição de delegados sindicais somente em agencias com candidatos pró-situação. Que tipo de OLT é esta? Uma OLT de rebanho em torno dos pastores petistas?

Outro fato que me deixou perplexo foi a assembléia inicial da greve ser de toda a categoria, e a final ser dividida por banco: seria o velho e conhecido “dividir para conquistar”? Começa-se a greve com o apoio dos bancários de bancos públicos, geralmente mais dispostos. Mas quando o sindicato resolve que é a hora de voltar ao trabalho, faz-se assembléias separadas para acabar com o movimento nos privados, deixando os bancários públicos isolados – e por conseqüência enfraquecidos. O próprio discurso final é bastante complicado, num dia os burocratas fazem discursos dos mais empolgados sobre a importância da greve, noutro, como que por mágica, dizem “o movimento atingiu seu limite”. Comparando as conquistas salariais dos metalúrgicos neste ano compreende-se um pouco melhor isto: nos sindicatos ligados a CUT houve uma média de 6,53% de aumento (ainda assim maior do que o nosso 6%), enquanto nos ligados a CONLUTAS ou a INTERSINDICAL o aumento variou de 8% a 10%. Parece-me que o problema é o tal “limite” ser tão rebaixado... É realmente difícil de acreditar que 6% era um limite quando olhamos para os lucros dos bancos, a CEF, por exemplo, uma semana depois do fim da greve anunciou um aumento de 20% no lucro do período.A contradição entre a prática e a teoria é típica nas instituições burguesas. Ao olharmos com profundidade para o sindicato vemos que na teoria este é o representante legal dos trabalhadores, porém na prática exerce o papel de controlador e de mediador do movimento sindical, opondo-se a qualquer iniciativa de organização autônoma ou de oposição. Bem: qual ideologia política defende que o estado, isto é a estrutura burocrática legal, deve ser a mediadora entre os conflitos da classe trabalhadora e da classe patronal, e, por isto mesmo, não poupa esforços para reprimir qualquer tipo de organização autônoma, tentando assim centralizar em si todo o poder político? Esta ideologia é a fascista, e não por acaso a nossa atual estrutura sindical foi criada pelo representante tupiniquim desta, Getúlio Vargas.
Gostaria de acabar com um trecho d'um documento publicado pela FAU (Federação Anarquista Uruguaia) em 1972. Este é bastante atual e válido, tanto para a situação como para as oposições eleitoreiras: “O reformismo coloca a insurreição no céu dos ideais inalcançáveis. Exaltando-a verbalmente trata – nos fatos – de impedir que se prepare. Neste desencontro, nesta incoerência entre sua prática política contra-revolucionária e seu verbalismo sobre um desenlace insurrecional final, buscam fundamentar sua eterna afirmação de que “faltam condições” cada vez que se tenta fazer avançar o processo da luta política, aplicando meios não incluídos em seu muito limitado receituário. Este se limita basicamente a duas coisas: a) no nível econômico da luta de classes, ação reivindicativa salarial, desenvolvida com o maior respeito pela “legalidade” burguesa e pacífica; b) no nível político, parlamentarismo, eleitoralismo, como forma de capitalizar politicamente os resultados da luta econômica. Confinando sua prática a todos os níveis dentro dos marcos cada vez mais estreitos da legalidade burguesa, o reformismo cria as condições para sua integração cada vez maior no sistema. Cria obstáculos e trata de impedir o desenvolvimento das condições para destruição deste.” (Tradução de Evandro Couto, edição Combate, Porto Alegre 2009 – negrito já presente na tradução).

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